Todo dia antes de dormir eu penso no marido da minha prima. Calma! Não é nada do que a sua mente poluída imaginou. Acontece que o marido da minha prima até admitia que ela fosse dormir sem tomar (principalmente no inverno da serra gaúcha onde eles moram e as temperaturas ficam muito baixas) mas ele jamais admitiria ela na cama sem lavar os pés. Aqui em Manaus o calor é absurdo. Tem épocas do ano que é tão abafado que nem um banho gelado abaixa a nossa temperatura corporal. Por isso sempre que a gente está em casa está à vontade com roupas leves e confortáveis (pra não dizer praticamente pelados) e de pés descalços. Pelos pés descalços, sempre antes de dormir eu lavo os pés e aí lembro do marido da prima dizendo que os pés tem que estar limpinhos e macios pra poderem se encontrar a noite.
O engraçado é que isso virou um ritual, mesmo que eu tenha tomado banho a pouco e os pés estejam limpos. Parece que se eu não passar uma água neles não vou conseguir dormir. E me dando conta disso comecei a observar quanto rituais e costumes colocamos em nossa rotina sem nem nos darmos conta e fazemos disso algo mecânico, automático e que funcionam de gatilhos. Por exemplo, eu acordo de manhã, tomo café, medito, me exercito por 20 minutos, preparo um chimarrão e sento no computador para trabalhar. Outro dia acabou a erva e eu simplesmente não consegui trabalhar. Perdi o foco, a concentração e não teve santo que me botasse no rumo. Sair e comprar erva pra fazer o mate e aí engrenar o dia também não resolveu, pelo simples fato de que eu já tinha quebrado a tradição. Eu não sou movida a chimarrão. Poderia muito bem ter feito a minha manhã render como qualquer outro dia. Mas ao invés disso eu usei a falta do chimarrão para procrastinar (já falei desse péssimo hábito aqui). A mesma coisa ocorre quando eu não lavo os pés antes de dormir. Eu não consigo relaxar e pegar no sono até levantar da cama, lavar os pés e aí poder dormir feliz. Mas que diabo que uma poeirinha no pé pode influenciar o sono de alguém? O fato é que eu criei um gatilho, uma sensação de bem estar pra poder dormir e sem aquele momento todo o resto desanda. Quantos gatilhos a gente cria, quantas armadilhas montamos para nós mesmos, para nos confortar dos problemas que temos. Quantas vezes deixamos de fazer algo importante porque não temos a nossa bengala emocional. Você já deixou de ir a uma festa se divertir porque a roupa que você tinha idealizado para aquele momento não ficou tão bem no espelho quanto na sua imaginação? Com certeza já. Agora você realmente acredita que se tivesse ido a festa com qualquer outro traje alguém ia perceber e na festa não aconteceria exatamente a mesma coisa que iria acontecer se você fosse com a roupa que idealizou? E assim vamos criando as nossas prisões, colocando cada grade que nos torna dependente de algo para que tudo dê certo em nossas vidas. O dia que eu tiver que escrever um texto fodástico eu irei escrever, com ou sem o meu chimarrão. Ou sem qualquer um dos outros rituais que faço todas as manhãs. As coisas acontecem quando têm que acontecer, independente do que a gente faça. A gente reclama tanto da rotina e das coisas amarradas da vida, mas não percebe que quem cria elas e se aprisiona somos nós mesmos. A gente quer liberdade, mas não nos damos o direito de acordar mais tarde, não meditar, não tomar o mesmo café da manhã. E se eu acordar com vontade de comer manga com leite ao invés de pão integral com requeijão? E se eu não estiver a fim de ligar o computador, responder os e-mails e depois produzir? Se eu apenas quiser acordar e passar o dia vendo séries?
De vez em quando a gente precisa quebrar as regras, mudar a rotina, dormir quando o sol nasce e acordar na metade da tarde. Ficar de pijama o dia inteiro e só comer bobagens. Nem que seja pra gente se sentir livre, vivo e dono do nosso destino. Pra no outro dia voltar à rotina e começar tudo de novo outra vez.
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