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Uma boa mentira

Quando li a mensagem na tela do aparelho celular não acreditei. Será possível que depois de anos de convivência a gente não conheça nem um pouco a pessoa que dorme ao nosso lado? Eram 13 anos jogados na lata do lixo. Como se aquilo não fosse nada. Num dia pensávamos em fazer uma tatuagem de casal, daquelas bem clichês com significados que só a gente entendesse e no outro aquela mensagem no celular.

"Desculpe, conheci uma pessoa e vou me casar. Por favor, me encontre no restaurante de sempre para acertarmos os detalhes da nossa separação."

Então era isso. O filho da puta depois de me enrolar por 13 anos que casar não era importante agora ia casar. E com outra. Devia ser uma menina novinha, daquelas que ainda dançam  funk até o chão e que vai encher ele de chifres. Isso é o que eu mais desejo. Que ela encha ele de chifres e foda completamente sua vida. Ou então pode ser que seja um homem. Eu sempre desconfiei que ele gostava demais de fio terra.

Fiquei sem chão. E ele ainda tinha a ousadia de marcar no nosso restaurante, aquele em que comemoramos cada aniversário de namoro, cada conquista e cada dia dos namorados ao longo dos treze anos. Era muita sacanagem. Um lugar cheio de boas recordações seria transformado numa cena de assassinato. Sim. A única coisa que passava em minha cabeça era render o garçom quando ele servisse a picanha, arrancar de suas mãos a faca e degolar o desgraçado ali mesmo.

Treze anos na lata do lixo. Mas eu não vou chorar. Ao contrário, vou fazer ele perceber o que está perdendo e se arrepender para sempre de me jogar na lata do lixo como um trapo velho, rasgado e usado. Apesar de me sentir exatamente assim. Marquei salão. Cabelo, barba e bigode. Tudo nos trinques. Esmalte vermelho nos dedos. Maquiagem arrasa quarteirão. Vestido baba baby, com decote acentuado. Sutiã levanta defunto. Calcinha vermelha de renda combinando. Ele não veria a calcinha, a não ser quando estivesse caído degolado no chão. Vou ficar por cima dele, de pé, para que sua última visão seja o que botou fora. A calcinha vermelha.

Chego no restaurante uns minutos antes do horário marcado. Procuro por coragem liquida no balcão. O garçom, conhecido antigo, parece um pouco nervoso por me ver ali. Deve estar com problemas também. Tomo duas doses de whisque puro. Sem gelo. Seco. Viro o copo como se fosse água. Coragem liquida adquirida. Estou pronta pra matar o cretino.

O garçom me acompanha até a mesa reservada para nós. A de sempre. No canto onde nos beijamos pela primeira vez. Vista para o mar. A noite cai, as luzes da Baia de Guanabara enfeitam a noite. Não posso perder o foco. Mais bebida, por favor.

Ele entra pela porta mais bem vestido do que imaginei. Termo cinza, cabelos arrumados e lindo. Lindo como na primeira vez. Tem um sorriso no rosto o desgraçado. Não consigo disfarçar meu sorriso sarcástico e diabólico de quem o imagina no chão, com a camisa ensanguentada olhando a calcinha vermelha.

- Apenas me escute por um momento - Aceno com a cabeça. Eu preciso de detalhes antes de mata-lo - Você sabe que sempre fui contra casamentos. Não acredito que um pedaço de papel faça alguma diferença em relação ao que sentimos. Acontece que conheci uma pessoa que fez o meu mundo inteiro mudar. E demorei a entender que casar não é só uma convenção social. Casar significa que eu amo tanto alguém que só sentir não é suficiente...

- Você vai mesmo fazer isso?

- Não me interrompa... - Ele levanta a mão em um gesto que me diz para esperar - Deixe eu terminar...

Concordo com a cabeça mais uma vez. Seguro ás lágrimas que estão tentando fugir de mim. Eu não acredito que ele realmente depois de 13 anos vai me humilhar dessa forma. Além de me deixar por outra pessoa, ainda quer que eu saiba que ama tanto ela a ponto de casar, coisa que nunca quis comigo. Em minha cabeça começo a planejar uma morte mais lenta e cruel para ele. Ou talvez seja melhor não mata-lo. Apenas arrancar seu pau fora, mostrar a calcinha vermelha e sair correndo para jogar o pinto na privada e dar descarga (assim não tem como costurar).

- No dia que eu conheci essa pessoa - ele continua - Eu não imaginava que ela seria tudo que eu queria. Eu nem sabia o que eu realmente queria. Mas ela é. Você não tem noção como é bom saber que existe alguém no mundo que esteja ali por você. Que abandone seus sonhos para sonharmos juntos. Que te faça sorrir só com uma lembrança. Que seja linda, sexy, divertida, mal humorada. Que tenha as ideias mais loucas e te inclua sempre nelas. Que faça o sol se abrir em dias de chuva e que faça com que todos os dias da vida sejam iguais e ao mesmo tempo diferente. Por isso... Você quer casar comigo?

- O que? Mas você não tinha conhecido uma pessoa?

- Eu conheci uma pessoa há treze anos atrás... Você...

- Eu planejei matar você com requintes de crueldade...

- Por isso que te amo... Casa comigo?

- Simmm!

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