Não dava mais pra disfarçar. Estava estampado no rosto dela. Um sorriso diferente. Um olhar mais atento, com mais brilho. Um perfume novo. Uma roupa mais sexy. Uma maquiagem sutil, que demonstrava uma preocupação com a aparência.
Depois de 20 anos de casada, ela nunca havia se recuperado do dia em que ele chegou em casa dizendo: “ Aluguei um apartamento e estou saindo de casa”. Foi um choque. Nunca imaginou que se separaria. Achava que eram felizes.
Foram cinco longos anos de depressão. Longos anos de luto. Velava o marido vivo. Acreditava na volta e cada vez que encontrava com ele pensava que era o começo de uma nova etapa. Até aquele dia.
Não tinha mais motivos pra usar preto. Sentia vontade de se maquiar, se enfeitar. Voltar a ser mulher. Não sentia mais nada por ele. Guardava em um arquivo de sua memória os bons momentos vividos. O resto tinha deletado junto com seus sentimentos por ele.
Foi por isso, ou talvez porque havia chegado a hora certa, que um novo amor aconteceu. Terno e sereno. Mais maduro, mais forte e mais selvagem que o anterior. Sentia um fogo que consumia sua pele ao sentir a presença dele.
Procurava em sua memória se alguma vez o outro, o ex, tinha despertado tamanho calor em sua carne. Não encontrava a resposta. Talvez tivesse deletado junto com o sentimento. Talvez nunca tivesse acontecido.
Era tão ingênua. Será que alguma vez amou o marido? Será que uma simples feição e compatibilidade de gênios a tivessem enganado por vinte anos? Talvez só agora estivesse conhecendo o amor de verdade.
Não importava. O que sentia a deixava feliz. O passado lhe deixava tranquila. A vida nova lhe dava esperanças, lhe trazia paz e ao mesmo tempo inquietude. Lhe dava o elixir da vida eterna. Não que antes fosse infeliz. Com o outro, o ex, apenas vivia. Ou melhor sobrevivia as coisas do dia a dia. Com o atual se consumia em paixão. Agora sim, sentia vida correndo em suas veias.
Quanto tempo desperdiçou achando que sua vida acabara com o fim do casamento. Quantas noites deixou o travesseiro empapado de lágrimas por alguém, que hoje, ela nem tinha certeza de um dia ter realmente amado.
Agora sorria. Andava pelas ruas e percebia os olhares masculinos. Gostava disso. Em outras épocas se sentiria envergonhada. Agora não. Um alvoroço passava por seu corpo cada vez que era cobiçada por um olhar.
Acordava cedo antes pra preparar o café. Agora pra se enfeitar. Tomar um longo banho, se perfumar, escolher uma bela roupa e sair pra caminhar. Sair pra viver. Entrava e sai de lojas não com o puro sentimento consumista de outrora, mas com o desejo desenfreado de sentir-se livre, bela e feliz.
Não tinha mais vergonha de rir. Entendia as piadas e acha graça de si mesmo em outros tempos. Como pode viver tantos anos assim? Aprendeu com o novo amor coisas que jamais lhe passaram pela cabeça que poderiam ser feitas. E com o outro, só aprendeu as coisas que nunca mas queria em sua vida.
Não importava se duraria pra sempre. Não interessava se amanhã terminaria. Apenas o agora, o hoje, é que fazia sentido pra ela. Somente o amor novo, não por outro homem, mas por ela mesma, que significava alguma coisa naquela vida.
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