Quando Margareth Atwood escreveu que os homens temem a nossa risada e nós tememos nossas vidas, talvez ela não soubesse que se passariam quase 40 anos e a frase infelizmente seria tão atual.
Eu lembro exatamente, mesmo passados quatro anos e meio, da sensação da pistola apontada para mim.
É um estado constante de alerta e ao menor entendimento do cérebro de perigo, a cena volta. É sempre ele, o homem com quem dividi a vida, a cama, os filhos, por milhares de dias da minha vida, mirando minha cabeça.
A tremedeira, o taquicardia, a falta de ar, a sensação de impotência amolecendo o corpo, o medo de deixar meus filhos, tudo vem sem controle. E mesmo eu sabendo que é um trauma, preciso de alguns minutos para voltar a mim, desaguar em uma crise de lágrimas, ranhos e babas, para então, exausta, me acalmar.
Mas não foi sempre assim. O homem um dia fora carinhoso, apaixonado, atencioso com os filhos, presente. Haviam sinais? Sempre. Eu escondia. Fingia não ver, batia boca, precisava daquele amor.
Porque é isso que aprendemos. Mulher sozinha é infeliz. E, dependendo de como era o afeto na sua casa, você realmente acha que aquilo é amor.
O amor acabou com três trepadas e uma emboscada da amante. Assim: depois de um dia abraçados, fazendo planos de viagem, organizando a casa nova e a vida que recomeçaria em breve - a quarta vez em nove anos de casamento - , ele confessou: amava outra. Outra que era amiga, que com o marido frequentava a minha casa, enquanto no quartel, transavam.
Porta fora, agora. Foi só o que pensei. Foi o que fiz. Mas e os filhos? E onde vou morar? Com a mãe narcisista motivo pelo qual um dia aquele casamento havia se realizado? Não. Nunca jamais.
Como uma roupa infantil devolvida a quem emprestou, fui deixada na casa grande, escura e vazia de afeto. Com um filho, já que a outra já seguia seus próprios caminhos.
A história, se terminasse aí, seria triste. Porém o desdobre com arma na cara, veio depois das ameaças, das chantagens, dos acordos e promessas quebradas. Porque a culpa era minha. Da mulher largar tudo e vir atrás, do não aceitar a outra em meu lugar, da criança só chorar, do avô infartar. Tudo era eu. Não dele, de uma traição, de um abandono, da deslealdade de deixar a mulher me abraçar, como se a sós não abaixassem as fardas.
Chorei. Como chorei. Terapia, amigos, ervas, cachaça. Tanta cachaça. Isolamento, depressão, desespero. Aguenta no osso, o filho está pior. Pesadelos dele, noites insones minhas. Dinheiro?! Ganhar dinheiro. Educação infantil inacessível. Sorte as amigas. Vaga na escola pública. Trabalha como? Da teu jeito. Te vira. Escreve. Não é isso que tu faz? Não é isso que quer fazer? Criar como com a raiva entalada, a vida dilacerada, a auto estima perdida? Acha um pau. Precisa. Alguma diversão.
Te refaz. Um passo de cada vez. Começa a levantar. Engatinha. Da os primeiros passos: nem sabia que sexo podia ser tão bom assim. PUM! A arma na cara. Na alegação do processo Maria da Penha “podia ser o namorado”. Com um pistola, destrói uma relação, me traumatiza, atropela o início de carreira, me faz, de novo, refém dele.
Condenado. Aconteceu o que? Nada. E nisso corre o processo — no litígio — de divórcio. A guarda, a criança, a pensão, os bens. Dinheiro, sim. Dinheiro. Quanto havia na conta?! Até hoje nem vi.
Foda-se o filho. Pensão 30%. Deixa ela no plano de saúde. Não posso obrigar o pai a conviver, diz o meritíssimo. Juiz, do mesmo naipe. Macho hétero top e tal. Guarda unilateral.
Meio ano depois, sem julgamento, coloca a outra no plano. O juiz não vê nada demais. Então ele diz: Tô indo pra casa, lugar melhor não há. Vou poder conviver com meu filho, tira dinheiro dele seu juiz que eu ajudo a cuidar. E o juiz aceitou seu argumento e no meio de uma pandemia, diminuiu a pensão e realizou o sonho da compartilhada.
Dois anos depois da mudança, a média mensal não chega a 24horas de convivência, considerando que ele some em alguns meses. Ou avisa em cima da hora, por e-mail, depois de mais uma vez não responder meus e-mails sobre a criança. Os presentes são figurinhas, moedas para joguinhos. Material escolar, uniforme? Nem viu. E as roupas voltam imundas, na mochila, muitas vezes misturadas com as limpas, porque é a criança que arruma.
Fora as brigas. Não tem quarto para o menino na casa do pai. E não é por falta de soldo. Ele escuta. “Ela disse que não tinha família para visitar porque o papai queria ir pra vovó”. Ela, que postou uma foto em um grupo, com meu filho, dizendo que era o enteado que ela criava como seu, pois a mãe abandonará. A mãe, eu, que fui abandonada com a criança, de repente havia virado a vilã da história. Não ele e ela, que treparam dentro de um prédio público, em horário de expediente.
Mas se a gente fala, escreve livro, canta música: se contém mulher, pra que expor o macho escroto desse jeito? Te preserva, preserva os filhos. E como diz Shakira, não é culpa nossa que os critiquem, eu só crio histórias, se a pele serve, tá na hora de um limpeza facial. Porque a única forma de não ser morta, de me sentir viva é usar as palavras para expor a realidade. Não só minha, não só da Skakira, da Miley, da Maria da Penha ou da Luana, mas de todas nós.
Guarda compartilhada. 99, 99% minha. Mas a pensão foi reduzida, porque o paizão voltou pra casa. Traumas, muitos. Pelo menos a gente fatura. E as vantagens de ser traída ultrapassou os 3 milhões de páginas de lidas nessa semana.
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