Um dia eu tive uma amiga. Ela era linda. Tinha boas notas na escola. Se vestia bem e os pais dela a amavam muito. Eram parceiros, daquele tipo de pais que estão sempre presentes, participam de tudo e conversam com as amigas e amigos da filha abertamente. Eram os pais de toda a turma. A gente estava sempre na casa dela. Acho que todas as meninas da nossa turma queriam ser ela. E todos os meninos, na idade que os hormônios estão a flor da pele queriam beija-la.
Eu não sei exatamente quando minha amiga deixou de sorrir. Mas ela deixou. Ela também parou de reunir o pessoal na casa dela. Começou a matar aulas frequentemente. Quando a gente ligava perguntando o que estava acontecendo, ela dizia que estava doente. Não se sentia bem. Estava gripada. Sempre tinha uma desculpa...
A gente tinha 13 anos. Não dava pra ficar preocupada e nem entender os sinais. Ela dizia que estava doente e a gente acreditava. Numa semana ela faltou a semana inteira. Resolvi sair da escola e levar meus cadernos para ela não ficar sem a matéria. Me lembro que quando ela abriu a porta, magra demais, pálida e sem nenhum brilho nos olhos eu pensei que ela realmente estava muito doente. Ela me abraçou de um jeito diferente. Por um momento sorriu como se a minha visita fosse a coisa mais importante do seu mundo. Eu fiquei feliz por isso, mas senti medo de pegar a doença dela e rapidamente me livrei dos seus braços. Eu tinha 13 anos.
Dias depois, ela me ligou. Me contou que andava muito cansada, que achava que ia morrer. E o meu contato com a morte era remoto. Não fazia sentindo alguém da minha idade estar doente a ponto de morrer. Eu disse para ela que era besteira. Que ela não ia morrer, que algum médico ia cuidar dela. Devia haver uma injeção, tipo benzetacil, que pudesse cura-la rapidamente. Ela riu. Disse que doía demais. Que não queria mais viver. Que queria se matar. Eu não acreditei. Eu tinha 13 anos.
Naquele mesmo dia, a noite, quando seus pais chegaram do trabalho, encontraram minha amiga dormindo, dormindo sem pulsação. Sem coração batendo. Sem expressões faciais. Encontraram minha amiga morta, com uma cartela de antidepressivos tarja preta, que haviam sido receitados para ela, pelo médico que deveria cura-la, vazia.
Eu fui um dos porquês. Seus pais foram um dos porquês. O médico foi um dos porquês. E todos os nossos amigos que não ligaram, não visitaram, não ouviram, foram um dos porquês. Você que acha que depressão é mimimi, é drama de adolescente, de mulher, de homem, de gay, de pessoa, é um dos porquês. Você que desmerece, ofende alguém na escola, na rua, no trabalho, por ser ou de ser, gay, negro, vadia, imbecil, incompetente, é um dos porquês. Você que tem empatia seletiva ou que não tem empatia pelo próximo é um dos porquês.
Não importa no que você acredita. "Amar ao próximo como a si mesmo", "É dando que se recebe", "O Universo devolve tudo em dobro para você", todos os lemas de religiões, seitas e crenças, fala sobre a mesma coisa: empatia. Você pode até não concordar com o próximo, você pode ter opinião diferente do outro, você pode até não gostar do comportamento da outra pessoa, mas não seja um dos porquês. Depressão não é tristeza. É doença. Suicídio não é chamar a atenção. É um ato de desespero de alguém que está tão doente que não vê outra saída.
Não seja um dos porquês. Se você não consegue falar nada que realmente possa ajudar, não fale. Avise as pessoas próximas de quem está sofrendo. Mas nunca menospreze a dor do outro. Não seja um dos porquês. Guarde sua opinião, sua falta de empatia para você mesmo e não seja omisso. Se não pode ajudar, não atrapalhe. Não seja um dos porquês.
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* O caso relatado nessa prosa é ficção. Mas poderia ser real. A opinião expressa é totalmente sincera. Não seja, realmente, um dos porquês. E se você está achando que o mundo está pesado demais para viver ligue para o Centro de Valorização da Vida (144) ou converse com alguém. Se precisar eu estou aqui, estou do seu lado e totalmente disponível para ajudar.
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