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Crianças trocam diversão por trabalho

Trabalho infantil é proibido pela Constituição Federal, mas ocorre livremente pelos bares e ruas da Capital

Nos bares da Cidade Baixa, à noite, crianças circulam vendendo flores, figurinhas, panos de prato e engraxando sapatos. Elas vêm dos pontos mais variados de Porto Alegre. A maioria é menor de 13 anos e trabalha naquela zona devido ao movimento dos bares com mesas ao ar livre. “A gente não pode entrar nos bares e aqui tem um monte de mesinhas na rua, então é mais fácil de vender”, conta uma menina de sete anos que vende flores.

Algumas trabalham para ajudar no sustento da família, outras para sustento próprio, como conta um menino de 10 anos, que vende figurinhas. “Eu moro ali pelo viaduto; em abrigo não dá pra ficar porque a gente é maltratado, então uso o dinheiro para comer”.

Os relatos de maus-tratos são contestados pelo Conselho Tutelar. “A própria questão de horários e imposição de regras são vistos como maus-tratos”, contrapõe o conselheiro tutelar José de Freitas, 39 anos.

Lei x Realidade

De maneira geral, as crianças não atrapalham o comércio dos bares, mas muitos clientes acham inconveniente e outros ficam revoltados porque ninguém toma providência. “Essas crianças deveriam estar em casa brincando, é direito delas”, indigna-se Maria Santos, 29, funcionária pública e freqüentadora de bar na Cidade Baixa.

Há lei que prevê essa proteção às crianças. Segundo o artigo 60 do capítulo quinto do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), “é proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos e após essa idade somente na condição de aprendiz”. O artigo sete, inciso 33, da Constituição Federal, reforça a proibição do trabalho infantil noturno, insalubre ou perigoso.

Pais x Drogas

O garçom de um dos bares mais freqüentados do bairro, que não quis se identificar, conta que os pais controlam o trabalho de seus filhos. “Cuidado que se eles te virem vão querer saber o que tu quer com as crianças”, alertou à reportagem.

De acordo com o ECA, os exploradores do trabalho infantil têm como punição multa ou pena de três meses a seis anos de prisão. “Como as famílias não têm dinheiro e a prisão só faz com que a pouca renda que ganham páre, os juizes dão penas alternativas”, afirma o conselheiro tutelar, Fábio Valentte, 39.

“Os que não têm pai ficam, depois que a locadora fecha, sentados ali na frente cheirando loló e, algumas vezes, fumando maconha”, denuncia um morador da rua da República há 40 anos. “As drogas são uma forma de fuga da realidade, a pessoa deixa de sentir frio, fome e outros fatores que a incomodam”, esclarece o psiquiatra Reinaldo Alves, 45.

Como agem os orgãos competentes

Moradores, comerciantes e freqüentadores dos bares locais afirmam que nunca assistiram a uma ação do Conselho Tutelar na região de bares da Cidade Baixa. “Quinta feira passada eles andaram por aí, mas não fizeram nada com as crianças; elas continuaram trabalhando normalmente”, criticou o garçom.

Mateus F., 28. “Existe o Serviço Social de Rua, órgão responsável por fazer a abordagem das crianças na rua. Eles fazem o primeiro contato, criam vínculos e fazem o encaminhamento”, justifica o conselheiro tutelar, José de Freitas, 39.

O Serviço de Educação Social de Rua trabalha com denúncias feitas por telefone ou abordagens sistemáticas, que são mapeamentos de zonas problemáticas. “A Cidade Baixa está nessa abordagem sistemática, pois estamos a par das situações de trabalho infantil, mas apesar de todos os esforços, as crianças acabam retornando para a rua”, admite a coordenadora do Serviço de Educação Social de Rua, Maria Juracema Viegas, 56.

Faltam ações

Conforme moradores e trabalhadores dos bares e comércio da região, o número de crianças cresce cada vez mais. Eles afirmam que ligam seguidamente para o Conselho Tutelar informando que as crianças estão trabalhando e se drogando. “Eles passam com a Kombi por aqui, olham e vão embora”, relata o funcionário de um bar que pediu para não ser identificado.

O conselheiro tutelar Fábio Valente argumenta que a entidade “tem o dever de zelar pela garantia das leis do ECA, também cobrando uma ação da sociedade”. Todavia, a apuração de uma denúncia é feita por um conselheiro e um motorista. “Se tem uma multidão de crianças, precisamos da ajuda da Brigada Militar e, normalmente, eles fogem ao ver a kombi pois sabem que vamos voltar”, conta.

O Conselho Tutelar, ao receber uma denúncia, verifica sua veracidade e faz os encaminhamentos necessários, dependendo de cada caso. Esses encaminhamentos variam desde atendimentos especializados como médicos, psicólogos e escola, até envio do caso ao Ministério Público. O trabalho do Serviço de Educação Social de Rua é pouco divulgado. “Fizemos uma vez um trabalho de conscientização para que as pessoas não comprassem nada de menores nem dessem esmola. Isto estimula a volta às ruas”, recorda Viegas.

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Matéria publicada no Jornal Universo Ipa em outubro de 2006. Quer ler na integra? Acesse: http://www.universoipa.edu.br/

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Pena que nada mudou pela Cidade Baixa...

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